domingo, 28 de agosto de 2011

Apreciação crítica do Conto Mariana de Machado de Assis





Contesto da publicação

O conto “Marina” é publicado em janeiro de 1871, no Jornal das Famílias. No ano anterior, o governo imperial decreta a abolição unilateral da escravidão – mas não no Brasil, e sim no Paraguai, ocupado por tropas brasileiras desde sua derrota na Guerra da Tríplice Aliança. A lei do Ventre livre (e consequentemente, a própria natureza da escravidão) foi um dos assuntos mais polêmicos de 1871, mas os leitores do Jornal das Famílias só souberam disso por outros periódicos: A linha editorial do Jornal das Famílias não era informar as senhoras da corte sobre as grandes questões políticas da sua época, mas publicar folhetins açucarados e histórias moralizantes, receitas e modelagens para costura, artigos sobre artesanato, moda e economia doméstica. Machado de Assis começa a publicar na revista em seu segundo ano, 1864, quando ele contava 25 anos e ainda não era um escritor conhecido, e vai se tornar o colaborador mais prolífico da revista, com mais de 70 textos publicados, entre contos, crônicas e poesias. Apesar do jornal das famílias ter sido fundamental para o desenvolvimento literário de Machado de Assis, podemos especular que não era para ler seus contos que as leitoras compravam a revista: compravam, provavelmente, para ler  sobre moda, costura e economia doméstica, ou mesmo para ler os folhetins franceses. Os contos de Machado de Assis vinham como um agradável bônus.

Analise resumida do conto

“Mariana” começa com o narrador, Macedo, Voltando ao Rio depois de uma ausência de quinze anos. O personagem já se estabelece como fútil, pois todas as mudanças que repara na cidade se referem às superficialidades: boutiques, hotéis da moda, etc. Ele encontra um grupo de amigos e começam a conversar sobre o passado. Em breve, um dos amigos, Coutinho, toma controle da voz narrativa da história para explicar porque acabou não casando com uma prima de quem estava noivo. Ele começa contando que mulher que mais o amou em sua vida foi uma escrava de sua casa, Mariana, já causando com isso o espanto dos amigos.
Coutinho elogia a escrava por saber o seu lugar, mas quando ele fica noivo da prima, Mariana passa a agir de forma estranha. O narrador suspeita que seja paixonite por algum escravo, mas ela se recusa a dar detalhes, dizendo que é um amor impossível. Durante toda a história, enfatiza-se sempre que Mariana era tratada como se fosse da família. Aos poucos, enquanto Mariana vai ficando mais doente a medida que o casamento se aproxima, Coutinho se convence de que é ele o objeto do seu amor e acaba ordenando-a que fique boa: Mariana obedece. Assim como os amigos de Coutinho ouvindo a história, o amor de Mariana é descrito no conto com mofa, riso, escárnio, como se fosse uma grande loucura. Sentindo–se desejado, Coutinho tenta uma relação amorosa com a escrava mas ela não aceita e foge. Sem nenhuma empatia com o drama, a família fica revoltada com tamanha ingratidão da menina e termina trazendo-a de volta, mas Mariana continua triste. Sua tristeza ofende Coutinho, que lista todas as vantagens materiais que ela usufrui, deixando implícito que se ela não é chicoteada ou mal tratada, não tem porque estar triste: dores amorosas ou existenciais não são para escravos. Aos poucos, a noiva de Coutinho começa a ficar enciumada das atenções que ele devota à escrava. Quatro dias antes do casamento, Mariana foge de novo. Quando Coutinho a encontra, ela confessa seu amor impossível e se suicida na frente dele. Ao fazê-lo, Mariana jamais culpa nem o amado, nem o sistema escravista: culpa a natureza. Afinal, o mundo é assim mesmo. Coutinho fica tão conturbado com o episódio que sua noiva conclui que ele deveria ter algum tipo de caso de amor com a escrava e cancela o casamento.
A essa altura, o leitor já terá praticamente esquecido estar numa história dentro da história. A história termina como num banho de água fria: logo após Coutinho descrever em tom comovente a enormidade do amor de Mariana, Macedo retoma a voz narrativa e fecha o conto em três rápidas e fúteis linhas:
“Coutinho conclui assim a sua narração, que foi ouvida com tristeza por todos nós. Mas daí a pouco saímos pela Rua do Ouvidor fora, examinando os pés das damas que desciam dos carros, e fazendo a esse respeito mil reflexões mais ou menos engraçadas e oportunas. Duas horas de conversa tinha-nos restituído a mocidade.”
Durante toda a historia, Coutinho mostrou-se vaidoso e leviano, mas a voz narrativa de Macedo, completamente fútil, faz o primeiro parecer profundo na comparação. Na verdade, a leviandade de Macedo funciona como um diluidor da seriedade do drama de Mariana.
O conto executa um movimento de aproximação e afastamento: de início, um cenário fútil carioca; logo depois uma história de sacrifício e morte; para terminar, um novo interlúdio fútil, como se para mostrar que nada disso foi realmente importante. O que importa são os novos hotéis da cidade e os pezinhos da Rua do Ouvidor: os amores e o sacrifício de uma escrava, pelo contrário, são coisas que se contam e se esquecem em duas horas. Não apenas eles, entretanto: após a abolição, toda a sociedade brasileira realizou um esforço concentrado e proposital para esquecer a nódoa da escravatura.

As reações do Autor com relação ao Conto

Assim como Coutinho e Macedo, que rapidamente esquecem o sacrifício da pobre Mariana-escrava para ver pezinhos na Rua do Ouvidor, Machado de Assis também rapidamente esquece a Mariana-conto. Sua antologia seguinte, Histórias da Meia-Noite, de 1837, apresenta uma seleção de contos bastante fraca, nenhum dos quais superior à “Mariana”. De todos os contos produzidos nos anos anteriores, “Mariana” não foi selecionado para a antologia. Na verdade, pior que somente esquecê-la, ou não selecioná-la para publicação, Machado substitui-a. Em Várias Histórias, antologia lançada em 1896, um novo conto também chamado “Mariana” vêm substituir aquele no cânone machadiano, dessa vez contando a história de uma Mariana branca. Depois de jogados fora os exemplares do Jornal das Famílias de janeiro de 1871, “Mariana” para todos os fins e efeitos desapareceu, sendo descoberto apenas em 1954, publicado em livro pela primeira vez em “Contos Avulsos”, de 1956.


Contexto político

Escrito em meio a o maior debate sobre escravidão que o país já tinha visto, publicado em uma revista de variedades femininas e temas leves, lido por um público teoricamente desinteressado por política e então esquecido por mais de 80 anos, o conto “Mariana” aparentemente causou pouco impacto. Estaria Machado de Assis tentando conscientizar suas levianas leitoras sobre dilemas da escravidão usando uma mensagem em um meio que lhes fossem compreensíveis? Teria sido por isso que nunca republicou o conto, por considerá-lo didático, melodramático, abaixo de si? Não temos como saber com certeza as intenções de Machado, o que podemos ter certeza, no entanto, é de que ele não estava sozinho na tendência de não valorizar, ou não recuperar, textos sobre a escravidão escritos contemporaneamente a ela.


Um comentário:

  1. Eu nao sabia que haviam dois textos, graças a seu blog descobri o original!

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