domingo, 18 de setembro de 2011

RESPOSTA À REVISTA VEJA

Sou professora do Estado do Paraná e fiquei indignada com a reportagem da jornalista Roberde Abreu Lima “Aula Cronometrada”. É com grande pesar que vejo quão distante estão seus argumentos sobre as causas do mau desempenho escolar com as VERDADEIRAS  razões que  geram este panorama desalentador. Não há necessidade de cronômetros, nem de especialistas  para diagnosticar as falhas da educação. Há necessidade de todos os que pensam que: “os professores é que são incapazes de atrair a atenção de alunos repletos de estímulos e inseridos na era digital” entrem numa sala de aula e observem a realidade brasileira.

Que alunos são esses “repletos de estímulos” que muitas vezes não têm o que comer em suas casas quanto mais inseridos na era digital? Em que  pais de famílias oriundas da pobreza  trabalham tanto que não têm como acompanhar os filhos  em suas atividades escolares, e pior em orientá-los para a vida? Isso sem falar nas famílias impregnadas pelas drogas e destruídas pela ignorância e violência, causas essas que infelizmente são trazidas para dentro da maioria das escolas brasileiras.
Está na hora dos professores se rebelarem contra as acusações que lhes são impostas. Problemas da sociedade deverão ser resolvidos pela sociedade e não somente pela escola.Não gosto de comparar épocas, mas quando penso na minha infância, onde pai e mãe, tios e avós estavam presentes e onde era inadmissível faltar com o respeito aos mais velhos, quanto mais aos professores e não cumprir as obrigações fossem escolares ou simplesmente caseiras, faço comparações com os alunos de hoje “repletos de estímulos”. Estímulos de quê?  De passar o dia na rua, não fazer as tarefas, ficar em frente ao computador, alguns até altas horas da noite, (quando o têm), brincando no Orkut, ou o que é ainda pior envolvidos nas drogas. Sem disciplina seguem perdidos na vida.
Realmente, nada está bom. Porque o que essas crianças e jovens procuram é amor, atenção, orientação e disciplina.
Rememorando, o que tínhamos nós, os mais velhos,  há uns anos atrás de estímulos? Simplesmente: responsabilidade, esperança, alegria.
Esperança que se estudássemos teríamos uma profissão, seríamos realizados na vida. Hoje os jovens constatam que se venderem drogas vão ganhar mais. Para quê o estudo? Por que numa época com tantos estímulos não vemos olhos brilhantes nos jovens? Quem, dos mais velhos, não lembra a emoção de somente brincar com os amigos,  de ir aos piqueniques, subir em árvores?
E, nas aulas, havia respeito, amor pela pátria.. Cantávamos o hino nacional diariamente, tínhamos aulas “chatas” só na lousa e sabíamos ler, escrever e fazer contas com fluência.
Se não soubéssemos não iríamos para a 5ª. Série. Precisávamos passar pelo terrível, mas eficiente, exame de admissão. E tínhamos motivação para isso.
Hoje, professores “incapazes” dão aulas na lousa, levam filmes, trabalham com tecnologia, trazem livros de literatura juvenil para leitura em sala-de-aula (o que às vezes resulta em uma revolução),  levam alunos à biblioteca e a outros locais educativos (benza, Deus, só os mais corajosos!) e, algumas escolas públicas onde a renda dos pais comporta, até a passeios interessantes, planejados minuciosamente, como ir ao Beto Carrero.
E, mesmo, assim, a indisciplina está presente, nada está bom. Além disso, esses mesmos professores “incapazes”,  elaboram atividades escolares como provas, planejamentos, correções nos fins-de-semana, tudo sem remuneração;
Todos os profissionais têm direito a um intervalo que não é cronometrado quando estão cansados. Professores têm 10 minutos de intervalo, quando têm de escolher entre ir ao banheiro ou tomar às pressas o cafezinho. Todos os profissionais têm direito ao vale alimentação, professor tem que se sujeitar a um lanchinho, pago do próprio bolso, mesmo que trabalhe 40 h.semanais. E a saúde? É a única profissão que conheço que embora apresente atestado médico tem que repor as aulas. Plano de saúde? Muito precário.
Há de se pensar, então, que  são bem remunerados... Mera ilusão! Por isso, cada vez vemos menos profissionais nessa área, só permanecem os que realmente gostam de ensinar, os que estão aposentando-se e estão perplexos com as mudanças havidas no ensino nos últimos tempos e os que aguardam uma chance de “cair fora”.Todos devem ter vocação para Madre Teresa de Calcutá, porque por mais que  esforcem-se em ministrar boas aulas, ainda ouvem alunos chamá-los de “vaca”,”puta”, “gordos “, “velhos” entre outras coisas. Como isso é motivante e temos ainda que ter forças para motivar. Mas, ainda não é tão grave.
Temos notícias, dia-a-dia,  até de agressões a professores por alunos. Futuramente, esses mesmos alunos, talvez agridam seus pais e familiares.
Lembro de um artigo lido, na revista Veja, de Cláudio de Moura Castro, que dizia que um país sucumbe quando o grau de incivilidade de seus cidadãos ultrapassa um certo limite.
E acho que esse grau já ultrapassou. Chega de passar alunos que não merecem. Assim, nunca vão saber porque devem estudar e comportar-se na sala de aula; se passam sem estudar mesmo, diante de tantas chances, e com indisciplina... E isso é um crime! Vão passando série após série, e não sabem escrever nem fazer contas simples. Depois a sociedade os exclui, porque não passa a mão na cabeça. Ela é cruel e eles já são adultos.
Por que os alunos do Japão estudam? Por que há cronômetros? Os professores são mais capacitados? Talvez, mas o mais importante é  porque há disciplina. E é isso que precisamos e não de cronômetros.  Lembrando: o professor estadual só percorre sua íngreme carreira mediante cursos, capacitações que são realizadas, preferencialmente aos sábados. Portanto, a grande maioria dos professores está constantemente estudando e aprimorando-se. Em vez de cronômetros, precisamos de carteiras escolares, livros, materiais, quadras-esportivas cobertas (um luxo para a grande maioria de nossas escolas), e de lousas, sim, em melhores condições e em maior quantidade.
Existem muitos colégios nesse Brasil afora que nem cadeiras possuem para os alunos sentarem. E é essa a nossa realidade!  E, precisamos, também, urgentemente de educação para que tudo que for fornecido ao aluno não seja destruído por ele mesmo Em plena era digital, os professores ainda são obrigados a preencher os tais livros de chamada, à mão: sem erros, nem borrões  (ô, coisa arcaica!), e ainda assim se ouve falar em cronômetros. Francamente!!!
Passou da hora de todos abrirem os olhos  e fazerem algo para evitar uma calamidade no país, futuramente. Os professores não são culpados de uma sociedade incivilizada e de banditismo, e finalmente, se os profesores  até agora  não responderam a todas as acusações de serem despreparados e  “incapazes” de psrender a atenção do aluno com aulas motivadoras é porque não tiveram TEMPO.
Responder a essa reportagem custou-me metade do meu domingo, e duas turmas sem as provas corrigidas.

domingo, 4 de setembro de 2011

A família e o individuo.



Os filhos não tinham qualquer direito a uma vida privada. O tempo livre deles não lhes pertencia: cabia aos pais, que os encarregavam de mil tarefas. Eles vigiavam minuciosamente as relações de seus filhos e mostravam grande reticência quanto às amizades extra familiares.
O controle das relações dos filhos se estendia, naturalmente, à correspondência: ler suas cartas não era apenas hábito, era uma obrigação, caso se quisesse educá-los bem. Quando os filhos ficavam longe dos pais, nem por isso essa obrigação deixava de existir; passava a ser delegada a outrem: ainda em1930, as cartas enviadas aos alunos internos dos liceus deviam apresentar do lado de fora a assinatura dos pais, autorizando os filhos a recebê-las, a qual devia ser verificada pelo diretor.
Essas práticas educacionais davam aos pais o poder de decidir sobre o futuro dos filhos, sobre o futuro, em primeiro lugar, profissional. Na burguesia, são os pais que decidem os estudos que serão feitos pelos filhos. Entre o povo, são eles que escolhem o ofício a ser ensinado e colocam os filhos como aprendizes.


A Socialização da Educação dos Filhos


O desenvolvimento da instituição escolar é uma das principais características da evolução social na segunda metade do século XX.Mas é preciso avaliar a medida exata do fenômeno.
De um lado, trata-se de um prolongamento da escolaridade. De outro uma necessidade emergente, afinal como os filhos já não podem aprender um ofício com os pais, porque estes já não trabalham mais em casa, eles têm de aprender uma profissão fora.
De fato, o aumento da escolarização remete a transformações muito mais profundas; mais do que uma socialização dos aprendizados, é um aprendizado da sociedade. Antes, esse aprendizado se dava dentro da família, e esta podia ser definida com justeza como a “célula de base” da sociedade. Sob fortes pressões econômicas, ela era regida por normas que podiam ser aplicadas em meios mais abrangentes, submetidos a pressões semelhantes. Essas pressões quase desapareceram após a transferência do trabalho produtivo para fora da família. Se os pais se tornaram menos  autoritários, mais liberais, mais abertos, é sem dúvida porque os costumes evoluíram, mas também e principalmente por que as razões de impor esta ou aquela atividade aos filhos deixaram de existir. A autoridade dos pais se tornou arbitrária e, deixando de ser uma orientação dada a tarefas familiares indiscutíveis, ela passa a se exercer no vazio. Os pais de antigamente eram autoritários tanto por costume quanto por necessidade: quando vinha a ameaça de uma tempestade, eles não iam perguntar a opinião dos filhos antes de mandar recolher o feno, e é claro que alguém precisava ir buscar água, lenha etc. A necessidade fazia a lei.
A liberalização da educação faz com que a família transfira para a escola o aprendizado da vida em sociedade. A escola recebe a incumbência de ensinar os filhos a respeitar as obrigações do tempo e do espaço, a regras que permitem viver em comum e encontrar a relação justa e adequada com os demais. Na França a partir de 1959, vem se impor progressivamente a norma de colocar os filhos no jardim de infância. Antes, pelo contrário, a norma era conservá-los o maior tempo possível, e até alfabetizá-los em casa. O jardim de infância era uma saída por falta de outras alternativas, uma creche para as mães pobres que tinham de trabalhar, mas de repente torna-se preferível que os meninos freqüentem o maternal, em vez de ficarem junto com suas mães. A escolarização no jardim de infância se generaliza, e os pais das camadas superiores dão o exemplo, a começar pelos mais qualificados e mais urbanos, mesmo quando a mulher não trabalha. A opção é clara: “a escola é melhor que a família”, e passa a ocupar seu lugar.
Se a família é substituída pela escola, e com seu próprio consentimento, é porque ela tem consciência de uma incapacidade estatutária: como toda educação é educação para a vida pública, a família, ao se tornar puramente privada, deixa de ser plenamente educativa. Os pais constatam o fato a sua maneira, mais concreta, ao dizer que não sabem como entreter os filhos.


Inversão de pensamento

A transferência da função educativa da família para a escola supunha que a família reconhecesse a legitimidade e o valor das relações extrafamiliares. Considerando-se a única realmente capaz de educar seus filhos. A família antiga era muito cuidadosa quanto a amizades extrafamiliares. O movimento que generaliza o recurso ao jardim de infância procede de uma norma inversa: é bom que os filhos tenham contato com filhos de outras famílias. O aprendizado da vida em sociedade passa por aí.
A partir do momento em que os filhos têm suas próprias relações, formam-se grupos de amigos ou colegas. A transferência  da educação para uma instância pública, a escola, gera outros centros de vida privada, que concorrem com a família. Os adolescentes recusam ter seu lazer organizado por entidades estruturadas. Eles aceitam instituições como a escola porque sabem que é uma necessidade social, mas, a seus olhos, ela deriva do universo do trabalho, o mais público dentre todos. O universo do lazer, o da vida privada, não pode se inscrever em instituições que imponham regras de vida coletiva.
O mesmo problema se coloca aos pais: se fazem da família uma instituição coercitiva demais, os filhos se afastam, mas, por outro lado, a família não pode existir no dia-a-dia sem um mínimo de regras: conseguem estabelecê-las graças a acordos provisórios, manobras mais ou menos hábeis, negociações mais ou menos conflituosas.
Esse ajuste é facilitado por outra conseqüência do aumento do período de escolarização: a intervenção crescente da instituição escolar nas decisões que envolvem o futuro dos filhos. Na medida em que a escolarização dos aprendizados amplia o papel da escolaridade na determinação do futuro social, a escolha dessas escolaridades passa a escapar aos pais. O local de domicílio decide sobre escola de primeiro grau e, depois, de segundo grau que o filho deve freqüentar é a “setorialização” No segundo grau, a orientação vocacional decide sobre ingresso do aluno em determinada seção dessa ou daquela escola, onde essa orientação será obedecida. Apenas os bons alunos têm o direito de escolher; os outros seguem o que a orientação lhes impõe.
Certamente, essa transferência de encargos outrora atinentes às famílias gera conflitos. Mas embora contestada, não deixa de ser cômoda: de fato, ela transfere pressões desagradáveis para uma instância externa, livrando os pais de exercer pessoalmente uma pressão que dificultaria ainda mais as relações familiares.




O aumento do controle


A intervenção pública na educação dos filhos não se limita à escolaridade; ela se fortaleceu em outros domínios. Mal é concebida, a criança já interessa ao estado, e o serviço de atendimento materno e infantil submete a mãe a três visitas médicas antes do parto (pré-natal), caso ela queira se beneficiar dos subsídios previstos. Tem-se o mesmo acompanhamento médico durante a amamentação e o período de lactação. As vacinas são obrigatórias. Em suma com a generalização dos abonos-famílias, o acompanhamento médico da gravidez e da infância se fortalece.
Toda a educação pode ser controlada por instâncias públicas. Uma legislação complexa permite que o juiz de menores retire a guarda dos filhos de uma família para entregá-los a uma pessoa autorizada. O fato de uma autoridade pública possa confiar a educação de filhos a outro que não sejam os pais revela o deslocamento da função educativa para fora da esfera privada.
A educação dos filhos é assegurada apenas em parte pelos pais, e sob o controle do poder público. A família, portanto, deixa de ser uma instituição para se tornar um simples ponto de encontro de vidas privadas.


Texto base A FAMÍLIA E O INDIVIDUO, pgs. 80 a 87

Para saber mais:

FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir. Rio de janeiro: Graal, 1984.
­­­­­­­­­­­­­­­­_________________, Microfísica do Poder, Rio de janeiro: Graal, 1984